8 de fev. de 2012

Harmonia para os movimentos



Prática da pedagogia Waldorf, o chamado Extra Lesson começa a ser usado em escolas da rede pública para ajudar a reduzir as dificuldades de aprendizagem

Maria Cláudia Baima

abe aquela criança que diz que apanhou do coleguinha quando este apenas passou de raspão? Não se pode estigmatizar nem generalizar, mas a criança que se ressente facilmente com o toque dos outros pode estar enviando uma mensagem ao mundo do tipo "por favor, me diga exatamente onde eu estou!". A razão para essa reação pode ser o desconhecimento que ela tem dos limites físicos do próprio corpo ou de sua sensibilidade tátil. Esse sinal, mais adiante, tem boas chances de se transformar em dificuldades de aprendizagem. Para fazer uma avaliação dessa natureza, uma das opções que vem sendo difundida no Brasil nos últimos cinco anos é a adoção dos ensinamentos do chamado Extra Lesson, método criado na década de 1960 pela professora inglesa Audrey McAllen, ligada à pedagogia Waldorf, e que agora começa a obter bons resultados também em escolas de rede pública de São Paulo.

O Extra Lesson (EL) compreende uma avaliação detalhada e individualizada da primeira infância da criança e uma série de exercícios especiais de movimento, desenho e pintura, feitos para reorganizar habilidades motoras que possam ter sido pouco desenvolvidas do nascimento aos 7 anos de idade. Esses estímulos contribuem, segundo o método, para reduzir dificuldades de concentração e dislexias leves que podem causar problemas de aprendizagem. Quando detectado um sinal desse tipo, o professor faz um trabalho de pesquisa com os pais, em busca de informações sobre a criança. Ele procura saber quais foram as condições de nascimento, como aprendeu a andar e a falar, como brinca, quantas horas assiste TV, como é o sono, a alimentação etc.

Se, por exemplo, a criança não engatinhou ou usava muito o andador, pode estar aí a origem de um problema na aprendizagem. A criança que não desenvolveu bem sua motricidade passa a ocupar sua mente com uma espécie de compensação, dedicando um preciosa energia para funções motoras básicas que não foram trabalhadas desde cedo. Dificuldade em acompanhar com os olhos o que está sendo feito pela mão ou de trazer a informação contida no quadro, que está no plano vertical, para o plano horizontal da carteira são algumas seqüelas que podem ter origem nessa limitação. Com os exercícios do Extra Lesson, esses movimentos básicos são harmonizados de forma permanente, evitando que a criança precise "ligar" o raciocínio a cada vez que realizar um deles.

Como toda a pedagogia Waldorf, o Extra Lesson se fundamenta na antroposofia, método de conhecimento da natureza do ser humano, concebido pelo educador austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) no início do século 20.

No Brasil

O Extra Lesson começou a ser aplicado no Brasil em 2000, por iniciativa de professores e pais do Colégio Waldorf Micael de São Paulo, sob a supervisão da pedagoga Maria Eugênia Obniski, que coordena um programa de formação sobre o método. Mais recentemente, começou a ser aplicado também em escolas da rede pública. Duas professoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental Solano Trindade e a diretora da Escola Estadual Bibliotecária Maria Luiza Monteiro da Cunha, ambas em São Paulo, já têm formação em EL, aplicam o método e estão bastante animadas com os resultados.

Segundo a diretora Raquel Martins, "existe uma certa resistência porque o EL surgiu dentro da pedagogia Waldorf, mas os resultados são tão bons que as barreiras vão caindo aos poucos". Na escola de Raquel, o atendimento aos alunos começou a ser feito voluntariamente pelo terapeuta artístico (a terapia artística é outra área da antroposofia) e especialista em EL José Amadeu Piovani. "Depois de um semestre, vimos melhora de 60% dos casos; o primeiro resultado visível é a auto-estima, a criança se sente em condições de aceitar e de ser aceita pelo grupo. Em mais seis meses percebemos avanços no rendimento escolar".

Torcer o pano

Os exercícios de Extra Lesson são feitos com objetos como bolinhas de borracha de vários tamanhos, saquinhos de arroz e feijão, corda, bastão de cobre ou madeira e cartolinas para desenhos e pinturas. O objetivo é harmonizar o gestual da criança com os chamados movimentos arquetípicos humanos, aqueles que fazemos quase sem pensar. Em atividades simples como sovar uma massa de pão, esfregar uma roupa, torcer um pano, varrer o chão ou bater um bolo, vários desses movimentos são empregados. Mas, na era do fast food, as crianças não têm esse aprendizado em casa. Outro agravante é o fato de os bebês serem incentivados cada vez mais cedo a ficar na vertical. O certo, de acordo com o EL, é que a própria criança decida quando sentar, pois só ela sabe se sua musculatura está preparada para tal.

É por esse motivo que, nas escolas Waldorf, as salas de aula das crianças mais novas reproduzem os ambientes de uma casa, onde todos, espontaneamente e sempre por meio de atividades lúdicas, ajudam a professora a lavar e a torcer os paninhos, a limpar a mesa, a varrer o chão.

A Escola Municipal de Educação Infantil Ênio Voz, em São Paulo, é outra unidade de rede pública de ensino que vem tendo uma boa experiência com o EL. Crianças já diagnosticadas com DDA (Distúrbios de Déficit de Atenção) passaram a ser acompanhadas pelo Ambulatório Didático e Social da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica. Um grupo multidisciplinar, reunindo médicos e professores, foi organizado pela coordenadora do ambulatório e médica pediatra antroposófica Rita Rahme. "Vimos como é importante para os médicos a avaliação que os professores trazem. Estamos no segundo ano da experiência e temos a intenção de estender essa avaliação a todas as crianças que atendemos aqui no ambulatório", diz Rita.

Hoje o trabalho feito na Ênio Voz está sob a coordenação de Fátima Alexandrovitsch, psicóloga, e Regina Salvetti, bióloga formada em Pedagogia Curativa e EL. "O ideal seria avaliar todas as crianças antes de entrarem na 1ª Série do Fundamental; se a criança não está madura, encaminhamos para terapia ou orientamos o professor com atividades que as ajudarão com o conteúdo cognitivo", diz Regina.

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