Rudolf Steiner: o defensor da sensibilidade
Aliando ensino e espiritualidade, o educador austríaco desenvolve a Pedagogia Waldorf
Aliando ensino e espiritualidade, o educador austríaco desenvolve a Pedagogia Waldorf
Ana Gonzaga (novaescola@atleitor.com.br)
[No que segue, o artigo original foi transcrito na íntegra, tendo sido acrescentados comentários por V.W.Setzer, www.ime.usp.br/~vwsetzer, que estão dentro do texto em itálico e envoltos em colchetes. Os quadros com texto do original foram conservados.]
Mais do que uma concepção de ensino, o filósofo, educador e artista Rudolf Steiner (1861-1925) criou uma linha de pensamento que enxerga o homem além do material (leia o último quadro). É a Antroposofia, que prega o conhecimento do ser humano aliando fé e ciência [A Antroposofia não é uma fé. É uma cosmovisão espiritualista baseada em um enfoque científico, estendendo a ciência tradicional para incluir a investigação do supra-sensorial]. Sua Pedagogia é um reflexo dessa forma de pensar, que sobrevive há um século. Ideias defendidas por ele, como a de que todos carregam uma bagagem das vidas passadas, às vezes afastam os educadores, temerosos de que o ensino seja contaminado pelo exoterismo. [A autora certamente queria escrever ‘esoterismo’. É importante salientar que na pedagogia Waldorf nada de Antroposofia é transmitido aos alunos. Antes dos 21 anos, normalmente não é recomendável que um jovem entre em contato direto com ela, pois ele não teria liberdade suficiente para encará-la conceitualmente, compreendendo-a, em lugar de se entusiasmar com ela sentimentalmente.] Não é preciso comungar da visão espiritual de Steiner para tirar benefício desse modo de ver a Educação. [Sem ter a Antroposofia como base, qualquer de suas aplicações, como por exemplo a pedagogia Waldorf, tornam-se meras técnicas, não podendo ser aplicadas plenamente. Mas isso não significa que não se possam admirar os resultados práticos da Antroposofia, e ter uma intuição de que seu caminho é correto. Para resultados da pedagogia Waldorf baseados em depoimentos de ex-alunos da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, veja-se um interessante artigo a respeito, emwww.sab.org.br/pedag-wal/artigos/mitos.htm.]
A Pedagogia Waldorf, desenvolvida por ele, é aplicada em escolas específicas. São cerca de 800 [mais de mil] ao redor do mundo [veja-sewww.waldorfschule.info/upload/pdf/schulliste.pdf], 50 espalhadas pelo Brasil [são 30, sem contar os jardins de infância isolados, veja-se www.sab.org.br/pedag-wal/lawaldir.htm]. Tudo começou quando o diretor de uma fábrica em Stuttgart, na Alemanha, pediu que Steiner o ajudasse na fundação de uma escola para os filhos dos funcionários. A empresa chamava-se Waldorf-Astoria - daí o nome dado ao método de ensino, nascido em 1919 (leia o quadro abaixo).
Biografia Raiz austríaca, cultura alemã e sociedade suíça Rudolf Steiner nasceu em Kraljevec, na [então] Áustria, [hoje Croácia], em 1861, e viveu seus primeiros anos em uma paisagem magnífica, cercada de montanhas. Seu pai era maquinista [seu pai não era maquinista, era um funcionário da estrada de ferro] e esperava que o filho se tornasse um engenheiro. Por influência paterna, cursou Ciências Exatas no Instituto de Tecnologia de Viena. Mas foi durante os estudos técnicos, na Alemanha, que passou a ter contato com as ideias filosóficas de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e de outros pensadores [isso se passou durante os seus estudos de graduação em Viena; ele não cursou cursos na Alemanha]. Aos 22 anos, Steiner foi contratado para organizar os escritos de Goethe. Ao mesmo tempo em que editava e catalogava as obras do filósofo alemão, começou a desenvolver sua própria linha de pensamento, a Antroposofia, e sua teoria pedagógica, a Pedagogia Wadorf [essas duas foram desenvolvidas em época bem posterior]. Em 1884 [1891], ele escreveu sua obra mais conhecida: A Filosofia da Liberdade [é difícil dizer que essa é sua obra mais conhecida mas, segundo ele próprio, era a que ele considerou a mais importante, e a que iria permanecer no futuro longínquo; o resto deveria adaptar-se à evolução da humanidade]. Por fim, em 1913, Steiner se mudou para Dornach, na Suíça, onde construiu a sede da Sociedade Antroposófica [mundial, e não suíça, como está no título do quadro], por ele fundada. E foi nessa localidade que ele morreu, em 1925. [Veja-se uma biografia cronológica dele em www.sab.org.br/steiner/biogr.htm]. |
A valorização da função docente e da individualidade
Várias das características da Pedagogia desenvolvida naquela época permanecem nas escolas Waldorf, como a divisão em períodos de sete anos, os setênios. O primeiro vai até o fim da troca da primeira dentição [na verdade, até o início da troca dos dentes], o que ocorre por volta dos 7 anos de idade. "Steiner destaca a importância da imitação nessa primeira fase", explica Wanderlei Pires, da Universidade Paulista (Unip), que ensinou Matemática pela Pedagogia Waldorf durante 30 anos. "O professor deve ser o modelo para essa imitação", completa.
No livro A Educação da Criança Segundo a Ciência Espiritual, Steiner declara: "Não são, pois, as sentenças morais nem os ensinamentos da razão que atuam nesse sentido sobre a criança, mas apenas o que os adultos fazem em sua redondeza de maneira visível".
A primeira coisa que a criança deve aprender ao entrar na escola é o que foi fazer lá. Steiner sugere o seguinte: "Vocês vieram aqui para aprender coisas que os adultos são capazes de fazer e vocês ainda não, como escrever".
Na Educação Infantil [na pedagogia Waldorf, o nome usado é o tradicional ‘jardim de infância’, aqui e no exterior, talvez por não existir educação formal nesse período], Steiner vê a importância de estimular a imaginação. Não se deve oferecer brinquedos industrializados, que já vêm prontos. No livro Andar, Falar, Pensar - Atividade Lúdica, ele faz um contraponto entre a boneca de pano e a de plástico. A primeira "plasma o cérebro infantil da mesma maneira como trabalha um escultor que elabora a escultura com mão firme, flexível, compenetrada de espírito e alma". Já a segunda, de acordo com ele, traz coisas que a criança ainda não pode compreender e acaba açoitando o cérebro.
A figura do professor é valorizada. Do 1º ao 8º ano de estudo, o aluno tem [idealmente] um único docente, [o ‘professor de classe’,] que ministra as matérias básicas. Do 9º ao 12º, surge a figura do tutor. Ele leciona uma das disciplinas e tem o papel de acompanhar de perto o desenvolvimento de seus discípulos. Steiner defende que, nessa fase da vida, é de extrema importância um referencial de autoridade [isso vale dos 7 aos 14 anos, isto é, durante o segundo setênio, correspondente ao ensino fundamental; no 3ºsetênio, a autoridade deve vir do conhecimento do professor.] "Não se trata de uma autoridade vazia, mas calcada na amizade", explica Wanderley Pires [no 2º setênio, a autoridade deve ser ‘amorosa’, e não baseada na amizade; no 3o setênio, como conhecimento não tem nada a ver com amizade, nele isso também não se aplica]. O austríaco destaca a importância para o jovem ter a sua volta personalidades cuja maneira de julgar o mundo desperte nele as forças intelectuais e morais desejáveis. Assim como imitação e exemplo eram palavras mágicas para a Educação dos primeiros anos, para o segundo setênio entram em cena a aspiração a ideais e a autoridade.
Steiner combate a Educação massificada e valoriza as características individuais. Ele adota o conceito de quatro temperamentos básicos, descritos inicialmente pelo grego Hipócrates (460-377 a.C.), para explicar por que crianças em estágios similares de desenvolvimento reagem a estímulos de formas diferentes. Na sua concepção, a melancólica não consegue fazer uso do próprio corpo [melhor teria sido dizer que a criança está muito presa a seu corpo físico], a fleumática tende a permanecer acomodada em seu interior, a sanguínea é cheia de vida e leve e, por fim, a colérica é aquela que tenta se impor em todas as ocasiões que compõem sua vivência. "O professor deve tentar reduzir essa heterogeneidade. Para isso, tem de identificar o quanto antes o temperamento dos pequenos", diz a educadora Sandra Regina Mutarelli, autora da dissertação de mestrado Os Quatro Temperamentos na Antroposofia de Rudolf Steiner. "Com base nessa identificação, ele deve agrupar os alunos de modo a permitir que um complemente as características do outro e os temperamentos se harmonizem." [Na verdade, o que o professor deve fazer é tentar harmonizar as unilateralidades. O agrupamento dos alunos na classe segundo os temperamentos permite que o professor dirija-se didaticamente ora a um, ora a outro tipo. Além disso, por exemplo, quando vários flegmáticos ficam junto, eles devem superar sua fleuma para interromper a monotonia resultante. Agrupar alunos de temperamentos opostos geraria um caos total, um massacrando o outro.]Steiner ressalta sempre que a criança é educada "de alma para alma", ou seja, a do professor não pode desprezar a do estudante. [Isso é óbvio; o mais importante é o professor reconhecer que no aluno encontra-se uma personalidade supra-sensorial que está em um processo de desenvolvimento de sua entrada em contato com o mundo, o que dura até os 21 anos. Para esse processo, é necessário desenvolver todas as habilidades das crianças e joves, sejam intelectuais, artísticas como sociais. Uma característica fundamental da pedagogia Waldorf é o fato de a maneira de se fazer esse desenvolvimento ser baseada numa profunda visão da evolução de cada indivíduo aproximadamente com sua idade, o que é denominado de "antropologia antroposófica".]
Os caminhos de Steiner O grande admirador de Goethe Em suas obras, Rudolf Steiner cita vários educadores e pensadores alemães. A principal fonte de inspiração dele foi sem dúvida alguma o intelectual Johann Wolfang von Goethe (1749-1832). A identificação possivelmente ocorreu porque o filósofo, tal como Steiner, compartilhava seu entusiasmo pela ciência sem, no entanto, se portar como um materialista. Outro pensador que o influenciou foi Johann Paul Friederich Richter (1763-1825). Mais conhecido por sua obra literária, ele afirma que um viajante aprende mais de sua alma durante o primeiro ano de vida do que em todas as viagens ao redor do mundo. August Frobel (1782-1841), mencionado na obra Andar, Falar, Pensar - A Atividade Lúdica, foi também influente na vida do austríaco, tal como Johann Friederich Herbart (1776-1841), que acreditava que o processo educativo devia ser baseado na ética e na Psicologia. [Na verdade, o caminho de Steiner foi claramente individual, não se podendo nele distinguir influência de um ou outro autor; as centenas de autores por ele citados em suas palestras publicadas (mais de 6.000) e livros (cerca de 30) não implicam em uma influência direta em suas ideias. Isso pode ser constatado pela originalidade de seu enfoque, pelos novos conceitos transmitidos e pelas aplicações práticas da Antroposofia, seja na pedagogia, na medicina, na farmacêutica, na agricultura, na organização social, na compreensão da história (incluindo os antigos mitos e a Bíblia) e da filosofia, seja nas artes como arquitetura e as novas que ele introduziu, como a euritmita e a ‘arte da fala’]. |
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