Por Fabi Corrêa
Ser criança, meu filho, não é fácil. Enquanto você dorme, uma lagriminha escorre no travesseiro porque hoje você chorou com medo da morte. Tão pequeno e com medo de ir. Não só. Com medo que eu me vá, que a vovó se vá, que o papai se vá. Pela primeira vez, ao longo desses nove anos, você se deu conta que, uma hora, todos iremos. Como assim, se tudo parecia eterno? Você logo vai perceber, se é que já não percebeu, que daqui em diante está sozinho. Não, a mamãe não vai te deixar. Ficarei aqui pelo tempo que puder. Mas é que, quando você se machuca, por mais que eu cuide ou dê um beijinho para sarar, não posso sentir a mesma dor. E assim, quando você sofrer com o primeiro amor, eu posso até chorar com você, mas o que você sente é só seu. Nunca saberei ao certo o que se passa em seu coração. Com razão, você vai espernear e abraçar seu coelhinho de pelúcia como nunca, mas vai perceber que ele já não fala com você como antes. Vai começar a ver que o papai não é o homem mais forte do mundo. E vai ter medo do mundo lá fora. Vai até sentir saudades da infância, como sua professora ouviu você e uns amiguinhos comentando entre si dia desses.
Não, ser criança não é fácil. Mas é que tem uma hora que fica mais difícil. E não só para eles. Benvindos, pais, ao Rubicão. É assim que antroposofia chama a crise dos 9 anos (que, na verdade, chega um pouquinho antes, lá pelos 8,5). De repente, aquela criança fofa e carinhosa, que era só amor e elogios pra você, vira um pequeno ditador. “Mãe, onde é que você vai vestida desse jeito?” (o meu filho, com todas as crianças, sabe muito bem onde me aperta o sapato. Ou melhor, o vestido). De repente, eles não querem mais fazer visitas às casas de amigos, que eram motivo de alegria só. Querem ficar grudados na mãe, falam com vozinha de bebê e acham tudo fofinho. E dormir sozinho vira um sacrifício. Meu filho passou bem uns três meses chorando antes de dormir porque tinha medo que eu morresse, que ele morresse, que o Panda, nosso cachorro, morresse (algo que, confesso, já desejei no dia em que o pestinha comeu meu sofá todinho). Entre os 8 e 9 anos, alguma tragédia sempre acontece. A mãe volta a trabalhar fora (no meu caso), o cachorro é atropelado, a família muda de cidade. Tenho pistas de quais são as tragédias do Antonio, mas não vou falar aqui pra não dar subsídio pro psicanalista dele, quando ele tiver um. Dia desses meu filho perdeu um bonequinho e, à noite, quando se lembrou, começou a chorar por todos os brinquedos que já havia perdido. “Ele está perdendo é a infância”, disse uma professora pra quem contei o causo. E, perder a infância, convenhamos, deve doer muito.
Esse é o momento em que finalmente a criança chega com mais força do plano espiritual, com o qual ainda estava muito ligada durante toda a primeira infância. É nessa hora que ela começa a se desligar dos pais e a desenvolver sua individualidade. É quando ela começa a perceber que é um ser único e que assim será para toda a vida. E por isso vai começar a mostrar aos pais que não concorda com tudo o que fazem ou pensam e a criticar nossas atitudes como nunca. E haja paciência, autoridade e amor.
Hoje, depois de mais uma dessas crises em que meu filho se recusava a fazer tarefas que antes cumpria tranquilamente, fui ler um pouco e relembrar a origem da palavra Rubicão. Talvez você saiba, é aquele rio ao sul da Itália, por onde qualquer general era proibido, por lei, de atravessar quando retornasse à Roma com seus exércitos. Mas Júlio César ousou atravessá-lo e, enquanto isso, teria dito seu famoso alea jacta est, ou a sorte está lançada, já que não tinha mais volta. É mais ou menos isso o que acontece nessa idade. Não tem mais como voltar para aquele mundo de fantasia e para a barra da saia de mãe exatamente como era. Mas, depois da batalha inevitável, Júlio César fundou o Império Romano. Assim também esse momento prepara nossos filhos para os grandes feitos da vida. É um grande momento para ajudá-los a desenvolver a coragem. Nem que seja apenas a coragem de dormirem sozinhos a noite inteira. Só não acho que podemos dizer que a sorte está lançada. Apesar de estarem crescendo, mais do que nunca eles precisam de nós, que somos seu exército de apoio por toda a vida.