A escolha do coelho e do ovo para representar a Ressurreição de Cristo está associada à regência da Lua, tanto na Páscoa cristã como na judaica; mas a incansável fecundidade do animal também explica a sua escolha para remeter à renovação, ao inesgotável renascimento da morte e à esperança.
Como o Natal, a Páscoa é uma festa cristã muito doce para as crianças: todo dia 25 de dezembro, o Papai Noel distribui seus presentes nas chaminés. Toda primavera européia, a Páscoa reparte, nos jardins, ovos de chocolate e bombons.
Quem traz esses ovos? Na França, eram os sinos: deixavam suas igrejas no fim da quaresma, na noite da quinta-feira santa, pois ficavam deprimidos - Cristo dividia sua última refeição com seus apóstolos e Judas preparava-se para traí-lo. No fim da ceia, Jesus ia passear durante a noite no Monte das Oliveiras, seria preso, em seguida julgado e crucificado.
Entende-se que essa tragédia tornava os sinos tão tristes que eles cessavam de tocar, fugiam.
No entanto, os sinos não perdem tempo: vão direto para Roma. E, no momento em que a notícia da ressurreição de Cristo chega a eles, fecham, rapidamente, sua pequena bagagem e retomam o caminho de seus campanários. Eles tomavam o cuidado de carregar os ovos, outrora de galinhas, hoje, de chocolate, que espalhavam nos jardins.
Há alguns anos, na França, os sinos dispõem de um assistente que os ajuda a distribuir seus bombons. Esse ajudante é o “sr. Coelho”, que deixa as crianças loucas. De onde saiu esse coelho?
Chegou há algumas décadas, diretamente dos países anglo-saxões - como o Papai Noel, que, aliás, saiu da Alemanha e da Escandinávia, depois estabeleceu-se nos Estados Unidos, e chegou à França em 1945, nos furgões dos soldados americanos durante o “desembarque”.
Na realidade, esse coelho já se encontra na origem das festividades da Páscoa, mas, durante alguns séculos, havia abandonado os países do sul para refugiar-se nas terras anglo-saxônicas. Hoje, talvez cansado das sociedades frias do norte, ele vem saltitar na Europa meridional.
Essa chegada do coelho é uma boa nova. Na realidade, esse animal, longe de ser escolhido ao acaso, ocupa exatamente o centro do sublime mistério da Páscoa (morte e ressurreição de Deus) e faz brilhar seu simbolismo.
O coelho (ou lebre, pois simbolicamente os dois animais se confundem) constitui uma estranha passarela entre duas religiões próximas e distantes, irmãs e inimigas: a religião hebraica e a cristã. O coelho faz com que as duas religiões se comuniquem, como se fosse encarregado de ser o “atravessador” e o reconciliador momentâneo entre duas grandes cenas do teatro divino. Para compreender esse papel sutil do coelho da Páscoa, é preciso dar uma volta pela data fixada para essa festa.
A data da Páscoa é móvel: enquanto o Natal, festa que obedece ao calendário solar, cai sempre no dia 25 de dezembro, a Páscoa muda todo ano.
A razão é a seguinte: a morte de Cristo ocorreu, atestam os evangelhos, no dia da Páscoa judaica. Ora, o calendário judaico - assim como o calendário árabe, mas ao contrário do calendário cristão - é determinado pela Lua, não pelo Sol. E é por isso que as páscoas cristãs, por terem de adaptar-se ao calendário lunar, mudam de ano em ano, em função dos movimentos da Lua.
Lembremos que a Páscoa judaica - a Pessach, ou passagem - comemora a libertação do povo hebreu após um longo exílio no Egito, sua passagem pelo Mar Vermelho (graças ao vento de Deus) sob a orientação de Moisés, e sua chegada à Terra Prometida. Grande festa, portanto, como poucas.
Lua cheia - Essa ligação entre a Páscoa judaica e as páscoas cristãs - além de ser atestada pela morte de Cristo no dia da Pessach - dá-se também na data das duas festas. As igrejas cristãs mais próximas da tradição judaica (Ásia menor) festejaram, durante muito tempo, sua Páscoa no dia da Páscoa judaica, ou seja, no dia 14 nisan (abril, no calendário Juliano), o dia da Lua cheia da primavera.
As igrejas cristãs do Ocidente não seguiram esse exemplo: elas quiseram que a Páscoa, sem apagar a data primitiva da Páscoa judaica (14 nisan), coincida, todavia, com um domingo. Um verdadeiro quebra-cabeças em relação ao calendário: durante os três primeiros séculos, os chefes da Igreja entraram em conflito. Finalmente, o Concílio de Nicéia, em 325 d.C., decretou a regra ainda aplicada: “A Páscoa é o domingo seguinte ao l4º dia da Lua cheia, que atinge essa idade no dia 21 de março (equinócio) ou logo depois.” De acordo com essa regra, a Páscoa pode então ocupar, conforme os anos, 35 posições diferentes, entre os dias 22 de março e 25 de abril, inclusive.
Lembremos que a data das páscoas cristãs é decisiva, uma vez que comanda duas outras festas, a Ascensão - 40 dias depois - e Pentecostes - 50 dias depois.
E nosso coelho? Não o perdemos de vista. De fato, é precisamente por serem a Páscoa judaica e, portanto, as páscoas cristãs regidas pela Lua que o coelho tem a responsabilidade de deixar os ovos nos jardins.
O motivo? O coelho (ou seu duplo, a lebre) é um animal lunar. Não só no Ocidente. Em todas as mitologias, a lebre é uma criatura da Lua. Por que essa associação? Em parte, porque as manchas sombrias que se distinguem no disco da Lua sugerem uma lebre. Nos códices dos astecas, a lebre é representada por um hieróglifo “U”, que denomina a Lua.
A lebre é associada à Lua entre os chineses, no espaço hindu-budista, entre os celtas e entre os hotentotes e, mesmo no Egito Antigo (a lenda de Osíris e Isis). Mas essas não são as únicas razões que explicam que a lebre seja o animal símbolo da maior festa cristã - a ressurreição de Cristo.
Patas curtas - A lebre sempre impressionou os antigos, devido ao fato de suas patas da frente serem mais curtas do que as de trás, anomalia que permite à lebre ser mais rápida na subida do que no terreno plano. É um animal que sobe, que se eleva para o céu. Um texto da Idade Média, o Physiologicus comenta: ‘Você também, homem, faça como a lebre: procure os rochedos quando for perseguido pelo cão execrável, o demônio. Quando o demônio vê o homem escalar a montanha da virtude, ele se desencoraja e arrepia carreira.”
Segundo as palavras do Salmo de Davi: “Que recuem de vergonha, aqueles que planejam minha desgraça.”
Portanto, a lebre, seja por causa do seu gênio lunar ou por motivo das curtas patas da frente, é designada para presidir a festa da Páscoa. Infelizmente, essa mesma lebre tem alguns inconvenientes: seus hábitos, sua moral não são irrepreensíveis. É uma terrível sem- vergonha!
Como o coelho, ela mostra uma incansável fecundidade. Sua disposição entusiasta à copulação transformou-a, nos tempos antigos, em um símbolo da luxúria. E como Cristo não veio à Terra para pregar o coito ininterrupto e os prazeres, foi preciso resolver esse probleminha.
Os primeiros exegetas, felizmente, encontraram a solução. Habilmente, inverteram o símbolo da lebre. Fizeram-na representar não a gula sexual mas, ao contrário, o domínio que se pode ter sobre os sentidos, mesmo quando estes são extremamente tirânicos, como no caso da lebre.
De fato, existe uma vasta iconografia arcaica que mostra “uma lebre branca, deitada aos pés da Virgem Maria”. A lição é clara: a santidade, a pureza, a virgindade de Maria são tamanhas, que chegam a transformar em castidade a volúpia e a baixeza dos instintos. O animal impuro, por excelência, torna-se, por meio de um passe de mágica e graças a uma “ajuda” da virgem, a demonstração de que a virtude triunfa mesmo dos mais grosseiros instintos.
Afinal de contas, a avidez sexual da lebre não é verdadeiramente apagada. Ela é “sublimada”. A lebre continua a ser um símbolo da fecundidade e, portanto, da renovação, da ressurreição, da terra que nutre, da esperança, do inesgotável renascimento da morte (“Se o grão não morre...”)
Ovo de Páscoa - A lebre associa-se a um outro símbolo da Páscoa: o ovo, que a lebre fica encarregada (da mesma forma que os sinos) de distribuir nos jardins. Lebre e ovo pregam a mesma coisa: eis a primavera, o despertar da terra, o fim da morte, o renascimento.
Tudo se passa como se a Semana Santa resumisse, em poucos dias, o ciclo completo da natureza e da vida: a chegada triunfal do Cristo em Jerusalém entre uma multidão que agita palmas (os ramos, uma semana antes da Páscoa), em seguida a morte de Cristo, que é a morte do mundo, depois a ressurreição de Cristo, que é a ressurreição da natureza, da primavera, a volta da esperança, o fluxo da vida.
O simbolismo do ovo é mais simplista, mas tão rico quanto o do coelho. O ovo encarna o “todo” contido em uma simples casca. O ovo é a criação, dobrada em seu envelope, pronta para brotar de acordo com a ordem de Deus, e concebida em sua integridade desde a origem.
Nos textos primitivos, Cristo é comparado ao pintinho que sai de sua casca, casca cuja cor branca simboliza a pureza e a perfeição. Para os alquimistas, o ovo representa a matéria original, aquela de onde tudo sairá e cuja cor amarela prefigura essa “pepita filosofal” tão apaixonadamente procurada.
Notemos que, como para a lebre, a leitura cristã do ovo cruza todas as altas tradições: na índia, vê-se Brahma (o ser) retirar-se em um ovo de ouro, que simboliza sua relação com o Sol. E os gregos nos ensinaram que Zeus, quando quis designar, para os homens, o centro da terra (que estava em Delfos) pediu a duas águias, uma vinda do leste e a outra do oeste, para se encontrarem acima de Delfos e para deixarem cair, no lugar, uma enorme pedra em forma de ovo.
O costume dos ovos foi sempre ardentemente respeitado. Outrora, eram dados às crianças ovos duros verdadeiros, cuja casca era enfeitada com desenhos e pinturas. Na Ucrânia, o ovo era denteado de desenhos na cera de abelha feitos com uma agulha fina e, em seguida, mergulhados em um corante. Hoje, usa-se também ovos de chocolate, o que não tem o mesmo charme, mas o ovo duro decorado pelas crianças perdura.
As lendas são célebres: Simão de Cirene, que ajudou Cristo a carregar a cruz no caminho do Calvário, era um mercador de ovos e, após a crucificação, o felizardo constatou que todos os ovos de suas galinhas ganharam um belo colorido arco-íris.
Obra-prima - Ao longo dos séculos, o hábito de pintar ovos mantém-se, nos meios mais humildes ou nos mais refinados. No século 18, o rei Luís XV pediu ao pintor Watteau para decorar ovos para sua filha, Madame Victoire. A obra-prima ainda pode ser vista no Museu do Louvre.
Na Rússia, foram criadas, no século 18, manufaturas para produzir ovos de porcelana, de vidro, de madeira, de escamas, de pedra dura, de papel e de carapaça de tartaruga. A aristocracia russa pedia a seus ourives jóias em forma de miniatura de ovos, que as mulheres usavam na época da Páscoa.
No século 19, um joalheiro de origem francesa, Carl Fabergé, recebeu do czar Alexandre III a encomenda de 46 ovos de metal e pedras preciosas que queria oferecer, um por ano, à sua esposa Marie Feodorovna.Para honrar esse pedido fabuloso, Fabergé deveria trabalhar 46 anos, pois cada ovo exigia milhares de horas de trabalho e continha, em seu centro, uma surpresa que comemorava um fato histórico determinado. Assim foi a festa da Páscoa que deu origem a esses “ovos Fabergé” que, hoje, os colecionadores disputam com o auxílio de milhões de dólares.
Tradução de Wanda Caldeira Brant
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