A Páscoa no contexto Waldorf, Anna Maria Macrander Karassawa
Todos os anos, na época do outono, num jardim Waldorf, as crianças começam a se preparar para vivenciar intensamente a primeira das quatro festas anuais, a Páscoa. Elas cantam lindas músicas para o coelhinho da Páscoa; ouvem atentamente histórias sobre a lagarta e a borboleta; preparam, com a professora, deliciosas roscas e pães.
Todos esperam ansiosamente o domingo de Páscoa, quando sairão em busca dos ovinhos de chocolate, escondidos pelos cantos da casa e do jardim. Nós, adultos, acompanhamos a alegria das crianças e inevitavelmente nos transportamos para as nossas próprias recordações de infância.
A Páscoa é uma festa repleta de imagens fortes e marcantes. Porém será que temos consciência do que há por trás destes símbolos? Será que sabemos nos preparar internamente para este momento tão importante? Para nós, a festa da Páscoa ocorre no outono. Antigamente, porém, ela acontecia apenas no hemisfério norte, na época da primavera, num período de Europa pagã, quando as pessoas ainda se encontravam à mercê das forças da natureza. Naquela época, sobreviver ao rigor do inverno era um grande desafio, pois muitas vezes os alimentos eram escassos, as vestimentas ineficientes e os abrigos rudimentares. Desta forma, todo ano, sobreviver ao inverno e chegar à primavera era motivo de grande celebração.
Os antigos rendiam cultos em homenagem à primavera, às deusas da fertilidade. Era nesta época do ano que a vida recomeçava, as cores retornavam, tudo desabrochava. Era a vitória da vida sobre a morte. Num período posterior, as culturas judaica e cristã acabaram por absorver estas festividades pagãs. Para os judeus, as comemorações da Páscoa têm uma importância fundamental dentro de suas tradições, pois se remetem ao período em que o povo hebreu sofreu os flagelos da escravidão no Egito.
A libertação ocorreu quando Moisés desafiou o faraó e conduziu seu povo rumo à Terra Prometida. Em hebreu, esta passagem da morte/escravidão para a vida/libertação chama-se PESSACH, de onde vem a palavra Páscoa. Neste fato histórico, mais uma vez ocorreu a vitória da vida sobre a morte. Na tradição cristã, a Páscoa novamente ocupa uma importância fundamental.
Após os quarenta dias da quaresma e depois de refletir sobre os acontecimentos vivenciados por Jesus Cristo durante a Semana Santa (domingo de ramos, condenação da figueira, encontro com adversários no templo, unção, santa ceia, morte, descida ao reino dos mortos e ressurreição), os cristãos comemoram, no domingo de Páscoa, a glória da ressurreição de Cristo.
Com sua paixão, morte e ressurreição, Cristo deixou-nos o precioso legado de uma nova vida após a morte, e quando seu corpo e sangue penetraram no mundo das profundezas, seu espírito possibilitou que a Terra, como um todo, se tornasse um novo centro de luz. No calendário cristão, a Páscoa é uma festa de data móvel. Isso ocorre porque no ano de 325 d.C., bispos da Igreja do ocidente e do oriente se reuniram no Concílio de Nicéia e determinaram que a Páscoa cristã seria sempre comemorada no primeiro domingo seguinte à lua cheia, após o equinócio da primavera (equinócio de outono, no hemisfério sul), que acontece no dia 21 de março.
Nos dias de hoje, vivenciamos a Páscoa através dos olhos das crianças. Num jardim de escola Waldorf, elas entram em contato com o sentido espiritual da Páscoa através de imagens. Contos de fadas como Chapeuzinho Vermelho, O Lobo e os Sete Cabritinhos, entre outros, abordam a vitória da vida sobre a morte.
Porém as imagens que mais claramente se vinculam à idéia de vida, morte e ressurreição são as da lagarta, do casulo e da borboleta. A lagarta é um ser que se arrasta pelo solo, pesado, lento. Quando já se alimentou o suficiente, fecha-se num casulo, onde morre para renascer como uma linda, leve e clara borboleta. O coelho e os ovos também possuem um significado especial nas comemorações pascais. O ovo representa uma vida interior, ainda em estado germinal, que se desenvolve, rompe uma casca dura e em seguida desabrocha em sua plenitude, assim como Cristo ressurrecto saiu de sua tumba. O coelho, por sua vez, representa um animal puro, que não agride. Desta forma ele é digno de carregar e trazer os ovos da Páscoa. Além disso, é um animal muito fértil, que se reproduz com facilidade. Neste aspecto podemos encontrar ainda resquícios daqueles antigos cultos pagãos, que veneravam a fertilidade. Em poucas semanas estaremos comemorando mais uma Páscoa.
Nos dias de hoje, porém, num mundo extremamente consumista, onde as pessoas vivem constantemente sem tempo, a Páscoa, assim como as outras festas anuais, não é encarada sob um ponto de vista espiritual. Na maioria das vezes, não vivenciamos a possibilidade de deixar morrer em nós o que não queremos mais, o que já não nos serve, e também não permitimos que o novo em nós possa florescer.
Porém, todo educador (pais e professores) deveria ter claro dentro de si a possibilidade da vida, morte e ressurreição em hábitos, atitudes e modos de pensar, para tornar-se uma pessoa cada vez melhor, menos endurecida e insensível diante da realidade atual, com seus constantes altos e baixos. Se tivermos consciência da necessidade de cada um realizar este exercício interior, poderemos preparar coerentemente nossas crianças para a época da Páscoa e apresentar a elas símbolos repletos de significados. Só assim estaremos resgatando o real sentido da Páscoa.
Anna Maria Macrander Karassawa
Professora do Alecrim Dourado