18 de abr. de 2012

Autoeducação, liberdade e polêmica

Por Manoella Oliveira
Na concepção do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), criador da pedagogia Waldorf, toda educação é autoeducação.  Aos professores e educadores, cabe o papel de criar um ambiente propício para que a criança se desenvolva, guiada por seu próprio interior, e de aprender com ela. “A pedagogia Waldorf quer formar adultos livres, que possam achar seu caminho por iniciativa própria”, explica Valdemar W. Setzer, professor titular (aposentado, mas ainda ativo) do Departamento de Ciência da Computação da USP.
O processo educacional acompanha as etapas do próprio desenvolvimento do ser humano: como as faixas etárias são acompanhadas de determinadas características, é com base nelas que o ensino é pensado. “Até seis anos e meio ou sete anos, por exemplo, o mais importante é ter um ambiente sadio para brincar, que incentive a imaginação. Esse ambiente deve proporcionar impulsos sadios para uma criança de até aquela idade aprender por imitação, pois essa é a ferramenta educacional mais importante. Dos sete aos 14 anos, é importante ter um ambiente escolar artístico, amoroso e caloroso, em todas as matérias”, diz Setzer. Segundo o professor, uma atitude essencial de um educador Waldorf é o profundo amor altruísta devotado a cada um de seus alunos, “algo que provavelmente não é ensinado em nenhum curso de licenciatura ou pedagogia”, afirma.
Idealmente, um mesmo professor ensina as disciplinas principais a uma turma, durante todos os anos do Ensino Fundamental. Essa é uma maneira de ele acompanhar o desenvolvimento dos alunos por anos e de evoluir com eles. A proposta é coerente com o método de avaliação das escolas Waldorf, que não atribui nota aos alunos no sentido tradicional nem força repetições de ano. A avaliação é subjetiva e os boletins mostram qualitativamente as falhas e sucessos do aluno em cada matéria, sugerindo o que pode ser feito para melhorar.
“A avaliação em uma escola deve ser permanente e não só feita durante uma prova. É pelo conhecimento de cada aluno que um professor pode dar um ensino individual mesmo em uma classe com muitos estudantes. Algumas escolas Waldorf dão provas no Ensino Médio, para preparar o aluno para enfrentá-las quando terminarem a escola. É muito importante reconhecer que uma prova não mede absolutamente nada, pois o conhecimento, a maturidade, o esforço e o interesse não são mensuráveis. A única coisa que uma prova mostra é a capacidade de o aluno responder as questões da mesma naquele momento”, defende o professor da USP.
Alfabetização e uso de eletrônicos
Outro diferencial da pedagogia Waldorf é que não é exigido da criança um pensamento abstrato, intelectual, muito cedo. Por isso, as crianças aprendem a ler apenas a partir dos sete anos. Setzer esclarece que Steiner constatou que antes dos seis anos e meio ou sete anos a criança está dedicando suas forças interiores ao desenvolvimento físico, à coordenação motora e aprendendo a controlar as manifestações de sua vontade. “Assim, ele disse que nessa fase não se deve solicitar a memória abstrata da criança, por exemplo, fazendo-a aprender a ler, pois as letras são hoje em dia símbolos puramente abstratos. Esse aprendizado prejudica o desenvolvimento sadio da base que a criança deve construir para ter uma vida posterior sadia, tanto física como psicologicamente”. O professor acrescenta que a alfabetização é feita de maneira lenta, lúdica e imaginativa e leva três anos para se completar: no primeiro ano são aprendidas letras de forma, no segundo as letras de imprensa e só no terceiro as letras cursivas.
Seguindo a mesma linha, Setzer afirma que, como o computador força um pensamento lógico-simbólico, ele também não deve ser usado antes do Ensino Médio. “O computador é uma máquina matemática e sempre força um raciocínio matemático e uma linguagem formal nos seus usuários. Antes da puberdade, parece-me que é prejudicial à criança ser forçada a pensar e se expressar dessa maneira, pois tanto o pensar como o falar não são bem delimitados e precisos”. O estudioso enumera quatro competências que o usuário da máquina deve ter para usá-la de maneira dequada: muito conhecimento e discernimento para reconhecer o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, e o que é verdadeiro e o que é falso; muita autoconsciência para analisar como os aparelhos estão sendo usados, por exemplo, é necessário saber se estão sendo usados por períodos longos demais, se outras coisas importantes não sendo feitas em função disso, se a própria maturidade é adequada para o que se faz com os aparelhos e, finalmente, é preciso ter muito autocontrole para haver domínio sobre si próprio e não ser dominado pelas máquinas.
“Ora, muitos adultos não têm essas capacidades, às vezes, não se controlam e viciam no uso do computador e da Internet. O que esperar de uma criança ou adolescente que justamente estão desenvolvendo essas capacidades? Se já as tiverem, são crianças ou adolescentes degenerados, pois comportam-se como adultos em miniatura, tendo perdido pelo menos parte de sua necessária infância ou juventude”, conclui.
Expansão e perseguição
A pedagogia Waldorf, introduzida por Steiner, em 1919, em Stuttgart (Alemanha) se expandiu pelo mundo todo, inclusive no Brasil, e hoje conta com mais de mil escolas espalhadas pelo globo, mas seus métodos alternativos chegaram a incomodar governos durante a II Guerra Mundial, por incentivarem a liberdade individual. “Elas foram fechadas pelo nazismo e muitos de seus professores foram presos. Elas foram proibidas na União Soviética, onde era também proibida a entrada dos livros de Steiner. Nessa última, houve ainda um outro fator: como a base da pedagogia Waldorf é a Antroposofia, que é uma cosmovisão espiritualista. Isso ia contra a materialismo dialético propugnado pelo comunismo”, conta Setzer.
A Antroposofia, que vem do grego “conhecimento do ser humano”, foi fundada também por Rudolf Steiner no século 20 e  pode ser caracterizada, segundo Valdemar Setzer, como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional e suas aplicações. Por “cosmovisão espiritualista”, entende-se que ela não é materialista no sentido de achar que o ser humano e o universo são constituídos exclusivamente de matéria e energia físicas. “A Antroposofia admite a existência de membros não físicos no ser humano e, com isso, consegue explicar vários fenômenos como a vida e a morte, os estados de vigília e de sono, o destino (carma), o livre arbítrio, a consciência etc”, diz.
As aplicações práticas são possíveis em todas as atividades humanas, sendo as mais famosas a pedagogia Waldorf, a medicina antroposófica e a agricultura biodinâmica. Setzer reforça que “ela se dirige à compreensão de qualquer pessoa, e não à crença”, que “ela propõe um caminho de desenvolvimento interior e dá importância fundamental à preservação e incentivo da liberdade individual”.

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